quarta-feira, 23 de julho de 2008

A produção dos espaços: Caso de Moçambique

A produção do espaço consiste, então, na realização prática de produção de objectos “geograficizados” segundo uma dada lógica económica, e destinam-se a cumprir funções diferenciadas em sintonia com as necessidades de reprodução das relações sociais de produção e da divisão social do trabalho.
Paulo Godoy, 2004



Um tempo atrás tive a oportunidade de viajar de Sul a Norte do país por carro. Tive assim oportunidade de conhecer muitos lugares de Moçambique que não conhecia. Nesse momento chamou-me a atenção aquilo que é dito sempre nos discursos políticos no nosso país, o potencial existente nele… Mas infelizmente em muitos momentos limitasse a isso: “Potencial”. A isto perguntei-me imediatamente se esse potencial implicaria um aproveitamento do mesmo… Como seria este local de aqui a 5, 10 anos? O que teria mudado? Teríamos casas de alvenaria em vez de palhotas? Após estes questionamentos e fazendo uma analogia com outras vilas que tenho oportunidade de avaliar melhor a sua evolução com o tempo (caso da Vila de Boane, Moamba, Namaacha, etc), e que ano após ano ao passar pelo mesmo local encontro as mesmas condições de vida (de pobreza) dessas pessoas, chego a conclusão que são uma espécie de “espaços mortos”. Que quando muito a evolução que se verifica na mesma é resultante de uma influencia exterior para a melhoria da situação (ex: construção de uma escola, doada por uma ONG). Portanto não se verificam dinâmicas internas de modificação do espaço, de melhoria da situação. Porque a evolução dos espaços em Moçambique não ocorre de forma “normal”, em que com o passar do tempo passaríamos a ter espaços comerciais e não só residenciais, e depois industriais, etc? Quais serão os motivos? Para tal vale a pena rever um pouco a concepção teórica da produção dos espaços.
A expressão “produção do espaço”, provavelmente cunhada por Lefebvre no final dos anos 60, visa responder aos processos de reprodução das relações capitalistas de produção. O espaço para Lefebvre (1974) consiste, grosso modo, no lugar onde as relações capitalistas se reproduzem e se localizam com todas as suas manifestações de conflitos e contradições.
Com a evolução do pensamento geográfico o espaço passa a ser visto como uma criação humana que se realiza através da expansão da sociedade sobre a natureza. A natureza é portanto vista como algo separado da sociedade, que constitui a base física sobre a qual o homem actua e produz o espaço geográfico, gerando uma “segunda natureza”.
A “primeira natureza” é concebida como algo que não pode ser produzido, é a antítese da actividade humana (SMITH, 1988).
A ideia de uma “segunda natureza” surge com o desenvolvimento das economias de troca e com as instituições estatais, portanto esta se perante um espaço, produto do trabalho social, que estabelece as condições de continuidade de geração para geração e que se modifica com a evolução das técnicas utilizadas num determinado momento, portanto, com o tempo.
Mas porque isto não ocorre em muitos locais em Moçambique? Porque estas relações e contradições capitalistas não geram dinâmicas que resultem na produção do espaço com o passar do tempo? Talvez porque a economia de mercado não se distribui de forma continua no espaço, ou pelo menos as dinâmicas que geram o desenvolvimento/produção dos espaces não chegam a todos os lugares. Portanto são territórios integrados num espaço que obedece as leis de uma economia de mercado, mas que não recebe as referidas dinâmicas.
Creio que não é assim. As alterações que se verificam num determinado espaço, estão ligadas a situação económica do mesmo, mas ultrapassa os limites da economia. "Os ciclos económicos não são apenas factos económicos. São factos sociais, no mais alto sentido dessa expressão" como diz Ignacio Rangel. Portanto os factores sociais que induzem o desenvolvimento/produção dos espaços também não concorrem para o desenvolvimento do mesmo. E é por isso que estas pequenas modificações que se verificam neles, não tem uma origem interna e sim externa. Porque nesse espaço, não estão implantadas na população local, necessidades, técnicas, e as tais relações de Lefebvre que induzam ao desenvolvimento. Que sejam fruto do trabalho social local que dêem origem a “segunda natureza”. Isto e verificável quando, por exemplo, se constrói uma escola, financiada por uma ONG, e 10 anos depois se não for disponibilizada outra doação, a escola não sofrera uma reabilitação e continuara a degradar-se. Portanto as preocupações com o desenvolvimento devem ter em atenção com a distribuição espacial dos fatos económicos e sociais geradores de desenvolvimento, para podermos ter uma melhor distribuição espacial do desenvolvimento, e afinal de contas da produção dos espaços. É algo a ter em conta quando se tem um programa como “o distrito como pólo de desenvolvimento” associado aos “7 biliões” por exemplo.
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Enrique Del Castillo (Mina Ambango)